O fenômeno do Tigrinho, induz, seduz e vicia.

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Artigo publicado por Ruy Ribeiro Moraes Cruz*

Nos últimos anos a sociedade vem sendo incentivada a alcançar o ideal de sucesso e riqueza apostando nas plataformas online. Assim, o investir em si, seja estudando ou trabalhando, passou a perder o propósito, sendo facilmente trocado por um entretenimento,  o joguinho da sorte.

Ora, para que destinar energia e tempo em algo denominado processo, que leva dias, meses e anos, se posso viver aquela adrenalina e me arriscar em partidas sucessivas e conseguir, de uma hora para outra, ter uma boa recompensa?

Desta forma, as necessidades da vida simples passaram a competir com o mundo virtual, o crédito das “bets” viralizou ao recarregar a ilusão de que a vida boa vem com dinheiro fácil, é só seguir os passos dos predestinados, aquilo que a Psicologia observa nos experimentos como sendo estímulo discriminativo, representados pelos influenciadores.

Estes são considerados verdadeiras feras na arte da credibilidade, para eles ganhar e perder, faz parte do jogo e da vida. Logo, seduzem e arrebanham parceiras publicitárias, networking e presentes.

Tal fenômeno, é complexo, por demonstrar que a ausência de uma cultura econômica assim como de suporte no cuidado em saúde mental vem gerando prejuízos a todas as camadas da sociedade, aguçando sentimentos múltiplos como a inveja, “se ele ganha por que eu não?” ou angústia, “vou jogar mais uma vez, porque tenho que recuperar o que perdi”

No que se refere a relação com o que é ilícito os novos caça niqueis vem burlando a Lei 13756/18, e preocupando o Governo mais do que as ramificações do jogo de bicho, pela fuga de divisas e por se apresentarem como estratégias para lavagem de dinheiro, envolvendo sistemas de adivinhação alimentados pela palma da mão daqueles que ficam encantados com possibilidade de enriquecer. Para isso, é simples, basta apenas baixar o aplicativo no celular passar o cartões ou fazer o pix.

Os valores vultuosos vêm afetando as economias locais, pois o dinheiro não está circulando no mercado interno, e sim indo para paraísos fiscais, e segundo o Banco Central, retirando bilhões de reais repassados pelo Bolsa Família. Tais recursos, que antes eram empregados na aquisição de itens da cesta básica, vêm afetando os lares mais vulneráveis a este tipo de fézinha, pois não resta nada atender o trivial, como diz a música Só fé, do Grelo “só preciso de um dinheiro pra comprar um mé, o leitin das criança e o Modess da muié. O resto é só fé…”

O governo vem estudando, por meio da PL3626/23 formas de implementar meios de taxar 15% e impedir tal uso dos recursos pelos beneficiários do Bolsa Família, mas ainda não buscou meios de conscientizar a população dos riscos da ludopatia. Por exemplo, o último estudo epidemiológico se baseia em uma realidade de 2010, mas podem alcançar, segundo o The Lancet, 1,4% dos adultos em todo o mundo. No país, o público está crescente nos serviços substitutivos do SUS, já que são estes, segundo o Instituto Locomotiva, o público mais endividado, “8 a cada 10 são pertencentes às classes C, D e E”.

Caro leitor, penso que enquanto não compreendermos que este comportamento compulsivo é marcado por faltas, traumas e carências psicossociais, que tornam os apostadores presas fáceis para a mídia e pelo mercado neocapitalista, não conseguiremos reduzir os danos atuais e os que estão por vir.

Por fim, penso que o “transtorno do jogo” vem tirando o pão, mostrando que para montar um circo de ilusão basta induzir a adivinhação, dando prazer e alívio para quem tem fome de sucesso, tornando-os rivais sedentos a crer na sensação de levar uma bolada e poder viver “a mercê da própria sorte”.

* Ruy Ribeiro Moraes Cruz é Psicólogo CRP 22-00582 e Advogado OAB/MA 27106 e Mestre pela UFRN em Gestão, Trabalho, Educação e Saúde.

Ruy Ribeiro Moraes Cruz