Opinião – “A saudade é traça que deixa sequelas”, por Ruy Ribeiro Moraes Cruz
Costumo de forma lúdica em minhas palestras sobre a saúde mental no ambiente de trabalho desafiar o público ao questionar se alguém se encontra bem emocionalmente nos últimos anos. Digo, sejam honestos, pois se aqui tem alguém, certamente é um ser ingênuo ou mentiroso. Em seguida passo a recordar que a humanidade sobreviveu a pandemia do Corona vírus, aos conflitos interpessoais, políticos e as crises econômicas, que nos instigaram a perceber o quanto é relevante preservar a vida, mas também dar um novo olhar a ela ao cuidarmos das dores físicas que se somam as emoções. Como, por exemplo, as pessoas que se reabilitam das comorbidades físicas e cognitivas, estas apelidadas de “névoa cerebral”, assim como o pesar do luto que sentimos até hoje. Lembro-lhes que mesmo após o término da emergência sanitária, findada pela OMS em 05 de maio de 2023, pelo diretor-geral, Tedros Adhanon, ainda convivemos próximos e, ao mesmo tempo, distantes, devido ao estilo de vida e aprisionamento das redes sociais que valoriza uma sociedade da aparência, nos alienando ao reproduzir um desleixar e descuidar de uma cultura a favor da saúde mental e da qualidade de vida.
Sensibilizados muitos participantes revelam as suas fragilidades, enchem seus olhos de lágrimas, revivem as cenas e noticiários que apresentavam em formato de boletins, verdadeiros placares de contaminados, mortes e, por fim, pessoas vacinadas dose após dose. As recordações produzem suspiros e por um instaste o estado de vigília permite que a memória invoque o que para muitos não têm tradução, por ser a pior sequela, descrita na letra da canção Catirina do maranhense, Josias Sobrinho, como um sentimento ruim, pois “saudade é traça, estraçalha o coração”.
Tal realidade, percebo nos atendimentos psicológicos que realizo, que são poucos os pacientes que se permitem lidar com as situações do cotidiano que estão intrinsecamente ligadas a dificuldades em superar as limitações e perdas provenientes da Covid-19, que nos furtou a oportunidade e espaço onde o corpo presente fosse velado e concretizado em um último adeus. Ressalto tal ideal, por criticar o modelo inovador em que fomos levados a anestesiar dores, como feito com os trabalhadores do SUS que foram chamados de “heróis que usam jalecos” ou alimentar a construção de “cemitérios virtuais” como aduz Sabrina Cáceres (2023) ao transformar as plataformas das mídias sociais digitais em tábuas de epitáfios para que pessoas comuns assumissem o papel de personagens, onde fossem propagados ao mundo o que devia ter sido feito.
O projeto denominado Inumeráveis, nutre exemplos destas narrativas como afirma a comunicadora, contudo ainda existem perfis ativos de falecidos ou fotos em páginas pessoais em preto e branco com textos que expressam de forma despretensiosa ou inconscientemente os cinco estágios do luto analisados por Elisabeth Kübler-Ross (1969) em seu livro “Sobre a Morte e o Morrer”.
Caro leitor, ao avaliar tais contextos fico com uma “pulga atrás da orelha” e pergunto sobre o prognóstico ou o que é possível fazer para que as sequelas dos pequenos traumas, assim como da pandemia e dos desastres naturais, como o presente no estado do Rio Grande do Sul, podem vir a serem cuidados. Acredito que sem proteção emocional a sociedade encontra-se desprovida de repertórios suficientes para aprender com tais acontecimentos e fenômenos, sendo mais claro, o negacionismo acerca do cuidado com a saúde emocional e mental, assim como o incentivo as plataformas de dissimulação da vida real, que aumentam o vazio existencial, sentido na década de 90, segundo Rafael Vasconcellos (2023) quando o Plano Collor, confiscou as economias dos brasileiros, sendo o motivador do aumento dos infartos, casos de depressão, tentativas e suicídios.
Neste contexto típico em que a desesperança vem culminar com o desespero e como consequência a perda de vidas, a canção Epitáfio da banda Titãs, nos recorda que o acaso e a distração são incapazes da garantir a proteção enquanto andarmos. Portanto, uma sociedade que não põe em pauta os temas como sexualidade, uso e abuso de drogas, violência de gênero, raça e crença religiosa, não superará os seus medos ou se empodera acerca dos temas salutares para o amadurecimento sadio sobre a morte, o morrer e o luto. O psicanalista e educador Rubens Alves nos diz que “o relógio da vida não tem ponteiros” e que ao questionar sobre o certo a se fazer com o tempo que nos resta, não devemos lamentar ou julgar e sim, colher o dia e os frutos a beira dos abismos.
Por fim, penso que ao apreendermos a caminhar atentos, todo o processo de cultivo contribuirá para que as traças e bichos que ali se encontrem, em meio aos livros e as roupas sejam tolerados e o ambiente cuidado, ao mesmo tempo, em que as “pragas”, compreendidas como alertas de perigos se tornarão propulsaras de investimentos estratégicos a favor da psicoeducação, acolhendo as sequelas que atingem estas e as gerações futura.
Artigo do psicólogo e advogado Ruy Ribeiro Moraes Cruz
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